Solange Castro
Ressignificar o lixo deu propósito e sentido a minha vida.
Ressignificar o lixo deu propósito e sentido a minha vida.
 
Saúde mental e ambiental através da Arte é possível?
Sim, e nesta coluna vou te mostrar que não só é possível como pode ir além. A preocupação com a complexidade tem nos desconectado das coisas simples da vida e do mundo, e pouco a pouco o Ser humano vem adoecendo e contaminando sua espécie e o Meio. A velocidade é alarmante e o fim do mundo parece certo e tão próximo que investe-se bilhões na busca por outros Planetas compatíveis a preservação da nossa espécie.
É de suma importância todas as pesquisas em torno de desenvolvimento sustentável, produtos biodegradáveis, mas, o que fazer com o lixo que já produzimos, o que fazer com a mentalidade consumista, o que fazer com a banalização da vida, o que fazer com a poluição visual, mental e espiritual?

É com frequência que escuto ou leio frases como: A sociedade está doente, o Ser humano está perdendo sua humanidade, as pessoas estão mais frias, as relações cada vez mais instantâneas e descartáveis, as crianças estão perdendo a infância... eu não descordo e tenho refletido muitos sobre elas. Penso que neste contexto o Ser humano está perdendo sua humanidade porque está se descaracterizando, sendo sucumbido por suas criações.

O filósofo Martin Heidegger em sua obra Ser e Tempo traz a seguinte reflexão: “O Ser da pedra é ser pedra, o Ser do homem tem um sentido muito maior” (Ser e Tempo, 1927).

Ou seja, diferente da pedra que mesmo que eu a torne pó ainda assim é pedra, o Ser humano é o único capaz de desenvolver habilidades diversas, porque é da nossa natureza a potencialidade para Ser e é tarefa da criatividade a realização do Ser. Logo, o Ser humano não é um Ser do Mundo, ele é um Ser no mundo, que interage na natureza, não o contrário.

Os elementos da natureza são por si só determinada pela função ambiental, tem sua importância e o seu papel, não dependem de um processo criativo para existir, diferente de nós que somos naturalmente dependentes.

Penso que a tentativa de criar bolhas e mundos particulares, tem nos desconectado de nossa natureza e por consequência estamos adoecendo, nunca se falou tanto em autoconhecimento como nos últimos anos, a busca por propósito, sentido, questões fundamentais da filosofia Ocidental 5 séculos A.C se faz presente quando lembro da frase “Conhece-te a ti mesmo” onde o filósofo Sócrates propõe um mergulho em si rumo a consciência e sua capacidade interpretativa de si e do mundo.

Para o filósofo conhecer-se seria o ponto de partida para uma vida mais equilibrada, autêntica e feliz, me parece muito com o que buscamos com o autoconhecimento. Assim sendo, penso talvez antes de olharmos para frente, poderíamos percorrer um caminho de volta, não para uma tentativa de voltar a viver em cavernas, mas, para rever o caminho, talvez este movimento nos ajude a ver e compreender onde nos perdemos e possamos assim recalcular a rota, talvez nossa espécie não precise de um outro Planeta, mas apenas retomar o caminho.
Assumir nossa responsabilidade, resgatar nossa humanidade, são de fato questões complexas, mas talvez as respostas estejam em pensamentos e atitudes simples, como por exemplo: o uso do imperativo categórico proposto por Immanuel Kant, (Crítica da razão pura, 1781) onde defende a ideia de agirmos conforme aquilo que gostaríamos de ver como uma lei universal, uma ética moral onde a ação individual é submetida a uma avaliação do bem maior, do coletivo, acreditando assim que o agir com responsabilidade conduziria a humanidade ao equilíbrio de convivência entre os seres e o Meio.
Concordo com aqueles que vão dizer que pensar em impor um imperativo categórico é inviável, sito aqui com o objetivo de fomentar a reflexão de que se assumirmos uma postura responsável, mesmo que individualmente, podemos a partir do micro atingir o macro, visto que somos seres em relação e toda ação particular afeta de alguma maneira o todo.


Mas não é preciso recorrer a filosofia para fazermos o caminho de volta, basta lembrarmos das histórias e experiências de nossos avós, bisavós, ancestrais...
Quanto produziam de lixo? Do que se alimentavam? Qual a noção de tempo? O que eles faziam em 24 horas? Como era a infância? Como era a relação com o Meio Ambiente? 

Proponho essas reflexões não para defender vivermos como primitivos, como já dito, é característica do Ser humano evoluir. 
Minha proposta é refletirmos para avaliarmos o que ganhamos e o que perdemos, e assim reencontrar o caminho, usar nossa capacidade criativa para recuperar as perdas, a crença e esperança no Planeta e em nós mesmos, não podemos desistir. Houve um tempo que pensei em desistir, minha vida estava no fundo do poço, como costumamos dizer: minha vida estava um lixo mas a reciclagem me resgatou, me deu propósito, sentido, existência autêntica, uma longa história que vou resumir aqui.

Durante muitos anos acreditei que minha vida era um lixo devido a vários fatores que não vem ao caso aqui. Aos 32 anos, casada, dois filhos pequenos e com marido desempregado a mais de um ano me tornei a única provedora de renda, sempre trabalhei, mas agora eu era a responsável por absolutamente tudo. Sem muito estudo, exercia várias funções, diarista, cuidadora, costureira, boleira, fazia doces e salgados para festas, pintura de paredes e todo trabalho digno que aparecesse, mas não era todos os dias que os trabalhos apareciam, então estava cada dia mais difícil fechar as contas, eu precisava encontrar uma saída sem ter que fazer nenhum investimento, neste momento recorri para fé e em um pedido de socorro aos céus, abri os olhos e me deparei com o lixo que via de minha janela, independentemente de sua crença, o que posso dizer é que neste momento compreendi que o lixo era uma matéria prima rica e gratuita, meu único investimento foi um tubo de cola branca.

 
 Latas, vidros, caixinhas de papelão e os mais diversos dos materiais foram sendo transformados em embalagens exclusivas para meus docinhos, principalmente os chocolates que vendia de porta em porta e agora com as embalagens, ganharam espaço em lojas de revenda.
 O sucesso do meu trabalho me deu poder aquisitivo e uma grande virada de chave na minha vida, pois recuperou minha autoestima e autoconfiança, me fez recordar dos sonhos de menina que queria estudar, queria fazer universidade e conhecer as grandes bibliotecas, visto que elas sempre foram meu paraíso, minha fuga, meu refúgio; eu havia esquecido tudo isso ao ser impedida de ir além do Ensino Fundamental. 

Meu pai foi bem claro, para ler receitas de bolo é o suficiente, minha mãe, tadinha, semianalfabeta, estava orgulhosa de onde a filha chegara. Os acontecimentos da vida pareciam ter tirado tudo isso de mim, até que o movimento, a simples ação de resgatar o lixo e dar-lhe sentido novo, me resgatou, me fez compreender que assim como era possível transformar o lixo o mesmo poderia ser feito com a vida.


Voltei a estudar, ganhei bolsa 100% gratuita no curso de Filosofia, me tornei professora, Artista Plástica, Terapeuta, escritora, empreendedora. Tenho o prazer de desenvolver projetos com todas as idades e gêneros. Tudo que sou e sonho ser, devo a ressignificação do lixo físico e mental. 

Muitas vezes comparamos nossas vidas ao lixo porque aprendemos que ele é feio, sujo, nojento, desprezível, descartável e algumas situações em nossas vidas se assemelham a esta ideia, e então nos sentimos fracos e impotentes, mas se entendermos que esta ideia é um equívoco, se entendermos que o lixo é rico e cheio de possibilidades de beleza, a comparação é positiva, se pensarmos que uma garrafa não deixa de ser uma garrafa, mas, pode se tornar uma luminária, um jarro para flores, um presente para alguém, um objeto decorativo, então vamos olhar para nossas cicatrizes sabendo que elas sempre estarão lá, mas não vão mais te machucar porque existem várias possibilidades de olhar para elas sem sentir dor, mas sentir orgulho de tê-las superado, verá beleza no presente e esperança no futuro, pois sabe que terá criatividade para lhe dar com os obstáculos inevitáveis da vida

Penso que atitudes e pensamentos simples como reciclar, ressignificar conceitos podem restaurar a alma, recuperar a humanidade e a conexão com o Planeta, a capacidade de apreciar a beleza da natureza gera beleza em nós, recupera a relação natural dos Ser na natureza. Reintegra o equilíbrio da existência e ecossistema.

A arte tem o poder de humanizar, fomentar reflexões e emoções que nos conectam para um bem maior. A arte reciclagem pode não resolver todos os problemas ambientais mas, pode restaurar nossa relação com a NATUREZA, com o Ser e o Todo. 

Texto e fotos dos trabalhos artísticos de: Solange Castro, filósofa, professora, escritora, colunista, artista plástica, terapeuta holística. Mais de 20 anos de experiência em desenvolvimento humano e empoderamento do Ser.

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